.São Miguel Arcanjo
Foi na quinta-feira em que o Vitor Punk me ligou falando sobre irmos na casa do Bodão em São Miguel Arcanjo. Nunca tinha ido para aqueles lados, ele disse que lá tinha uma pista de skate legal e um parque ecológico que dava pra fumar uns baseados sossegados. Íamos passar o fim de semana lá, eu aceitei. Fiquei muito ansioso e na sexta-feira à noite, eu e o Vitor precisávamos comprar alguma coisa pra beber, pra levar na viagem. Algum álcool, eu sugeri algo forte mas acho que ficar bêbado não era a nossa maior intenção indo pra lá, era mais que isso, era viajar pra andar de skate! Então, compramos duas garrafas de 2 litros de vinho "Canção". O Vitor ia levar algumas ervas, eu como fui pego meio despreparado, não pude comprar nenhuma ganja boa, não deu tempo, mas tudo bem, o Bodão tinha umas por lá também. Depois de comprarmos os vinhos, fumamos um e fomos embora cada um pra sua casa, pra acordar cedo no dia seguinte.
Ahhh sabadão chegou! Fui chamado pra trabalhar mas preferi nem ir, preferi viajar. Acordei cedo, saí de casa com a mochila cheia e o skate, tinha esquecido de comprar cigarro, mas não tinha problema, em São Miguel eu compro. Fui pra casa do Vitor, chamei ele e ele já estava preparado e com pressa falando que o ônibus já logo sairia. Íamos pegar o ônibus na estrada que vai para São Miguel, direto na rodovia, porém não sabíamos direito onde era o ponto, daí o Vitor ligou para o Bodão e ele nos explicou mais ou menos. Saímos então em direção ao ponto, subimos no skate, o Vitor acendeu uma “ponta” e remamos apressados. Chegamos no ponto mais ou menos 5h30 da manhã pra pegar o ônibus às 5h45. Sentamos no banco do ponto, mas não sabíamos se era exatamente aquele ponto, porque tinha mais de um ponto de ônibus ali, sentamos e continuamos queimando o beck. Mas deu o horário, e nada do ônibus vir, deu 6hrs e nada, ligamos pro Bodão de novo, mas ele não sabia o horário, o Vitor deve ter visto o horário errado, e nos ferramos, mas não dá nada, Vitor bolou mais um beck, fumamos e trocamos ideia. Mais ou menos 7h15 o ônibus chegou e embarcamos então.
Era a primeira vez que ia viajar pra andar de skate, já tinha ido uma vez num campeonato em Itapetininga num ônibus alugado pela prefeitura, mas é diferente, não tinha ido pra andar de skate, só pra fumar maconha e conhecer uma cachoeira lá. Na real, eu estava amadurecendo minhas ideias, talvez fosse isso, mas aquele rolê em Itapê foi daora demais! Enfim, São Miguel Arcanjo era ainda mais interior que Votorantim, ou seja, no caminho eram só árvores, morros verdes, campos e mais morros. Nós íamos descer na rodoviária de Pilar do Sul, e o Bodão ia nos pegar com seu carro lá. Chegamos na rodoviária, já fui logo comprar um "Eight", e o Vitor tomou um café, até que não demorou nada o Bodão chegou, já o vimos de longe e fomos cumprimentá-lo. Bodão, amigo antigo do Vitor, também era punk antigamente, quando vinha pra Votorantim andava de skate e chapava com o Vitor e o Patrick e mais alguns outros, sei lá. Um mano firmeza demais, muito gente boa, teve problemas com uma merda chamada síndrome do pânico, mas hoje vive bem e feliz demais, já está curado, diz ele, virou rastafari, e hoje tem até dreads e planta algumas ervas, mas também que vida boa, mora num sítio e tem uma plantação de uva junto com sua mãe, longe da cidade.
Nos cumprimentamos e entramos no carro, o Bodão tinha deixado sua mãe no mercado, íamos até lá buscar ela. Lá, entramos no mercado para comprar algumas coisas que íamos precisar, alguns ovos pra mim que já não comia carne, macarrão para o Vitor que não comia arroz, e etc. Inclusive comprei até um saquinho de balas de côco. Conheci a mãe dele, que é uma mulher muito gente boa também, e então entramos no carro e partimos pro sítio deles. Era um longo caminho até o sítio, tínhamos o dinheiro da gasolina, e fomos conversando sobre várias coisas. Ao chegar no sítio, descarregamos as nossas coisas, os skates, etc. Ainda era de manhã, tínhamos o dia inteiro pela frente, e eu só pensava em skate. Conhecemos a cachorrinha deles, que inclusive é muito engraçada e quando fomos fumar um beck de frente a uma paisagem muito bonita, ela nos acompanhou. Bodão apresentou para nós sua plantação de uvas, mas ainda não estava em tempo de colheita, mas eram muitos pés. Sentamos no quarto dele, descansamos um pouco esperando a mãe dele fazer o almoço para nós, Bodão mostrou algumas coisas suas como sua jaqueta punk, seus jogos de videogame e então fomos comer. Depois de almoçarmos, fui lá fora fumar um cigarro, conversei um pouco com a mãe do Bodão, ela também fumava cigarros. Depois fomos fumar mais um beck atrás da casa e então colocamos os skates e as mochilas de chaves no carro, partimos para a cidade.
O Bodão tinha um Uno, o carro, mas sem som, porém isso não nos impediu de ligar a música do celular, que no caso era o álbum "Afrociberdelia de Chico Science e Nação Zumbi", esse foi o album da viagem, pois o ouvimos toda vez que entrávamos no carro. No caminho, fumamos um baseadão, cantamos bem alto as músicas, estávamos felizes pra caralho. Mal via a hora de conhecer a pista, as ladeiras, o parque ecológico, tudo. Quando acabou a estrada de terra e começou o asfalto, logo apareceu uma ladeira recém asfaltada, o Vitor ficou animado pra andar nela, não era tão boa mas na hora pareceu deixá-lo bem alegre, ele me disse para que pegasse sua câmera e o filmasse de dentro do carro ele descendo a ladeira. Ele então saiu do carro, pegou o skate e começou a descer e mandar uns slides enquanto eu o filmava com a cabeça pra fora do carro, e o som continuava. Chegamos na pista de skate, que do centro da cidade pra lá, era só descer uma ladeira. Acendi um cigarro enquanto o Bodão estacionava o carro, pegamos nossos skates e fomos para a pista. A pista era bem legal, pois era coberta, podia chover que não precisava parar de andar. Havia tipo um bosque ao lado da pista, um lugar com muitas árvores, e alguns caminhos e trilhas para que pudessem fazer caminhadas, depois de andarmos de skate na pista por algum tempo, decidimos ir até esse bosque fumar um beck, mas logo na entrada, ao lado de um rio muito bonito que separava o bosque da cidade, havia uma escultura de jacaré. Essa escultura, era muito parecido com um jacaré de verdade e enquanto estávamos andando por ali, o Vitor meio que distraído olhou para o jacaré de relance e deu um pulo de medo! Achando que era de verdade, foi muito engraçado, demos muita risada. Tiramos até foto com esse jacaré e depois subimos num lugar lá em cima de uns morrinhos e embaixo de umas árvores, para fumar.
Na cidade, nós tínhamos que esperar o irmão do Bodão, pois eles iriam fazer um “rolo”, iam trocar o Uno por um Golzinho quadrado, então, estávamos meio que esperando uma ligação dele. Depois de fumarmos aquele beck no bosque fizemos uma gravação com a câmera lá dentro de nós descendo de skate, uma parte asfaltada da trilha, foi daora! Mas de lá avistamos uma ladeira do outro lado do rio, e então não pensamos duas vezes, fomos até lá. Antes de começarmos a caçar a ladeira, fomos até o posto comprar uma água. Quando encontramos a ladeira, ficamos um bom tempo lá, andando e mandando alguns slides, eu ainda estava aprendendo a andar em Downhill, caía mais do que acertava os slides e o Vitor dichavando com seus noses, e 360s. Filmamos alguns "dropes" na ladeira, e depois de um tempo o irmão do Bodão ligou para ele, tínhamos que ir em tal lugar para trocar os carros. Era na mesma avenida da pista de skate só que um pouco mais pra frente, deixamos o carro estacionado ali mesmo e fomos até lá. Mas lá tinha um pico muito louco, algumas escadas de concreto com uns pequenos morros de grama em volta. Inclusive em uma dessas escadas, o Bodão tem uma foto muito louca varando de "boneless".
O Vitor varou essa escada no ollie ai esse dia, muito daora, mas eu pensei diferente. Em volta da escada tinha um pequeno caixote de concreto que servia como apoio para as mãos, e esse caixote continuava mesmo depois que a escada acabava, ele ainda continuava por uns 15 metros. Então eu coloquei o skate lá em cima, no começo desse caixote para dropar e continuar até o fim e varar o gap, mas o espaço era muito curto, tinha apenas alguns milímetros a mais que o skate! Mas eu achei que ia conseguir, dropei pela primeira vez, o skate travou na grama e eu pulei da escada, até aí tudo bem, tava confiante que na próxima eu acertaria, então o Vitor pegou a câmera e começou a filmar. Dropei, só que dessa vez o skate travou na borda cimentada da escada e não da grama, assim em questão de 1 único segundo, eu caí de cabeça no final da escada. Fui jogado de uma forma que não tive nem reação de saber o que aconteceu, simplesmente minha cabeça travou no chão, fez um barulho muito grande que acharam até que ia desmaiar, nem eu sabia que tinha o crânio tão forte assim. Doía pra caralho, fiquei meio bobo na hora, sentei no caixote de concreto e eles perguntaram se eu estava bem, ainda filmando, e eu respondia que sim, daí não sei porque motivo, o Vitor me perguntou:
- Que sê gosta de fazer?
E eu respondi:
- Ah, você sabe né, andar de skate, beber álcool, bater a cabeça, fumar maconha e por aí vai.
(Na segunda imagem logo abaixo é um print do momento da queda)
Rimos, e então comigo ainda bobo, o Vitor guardou a câmera, viu um bar logo ali perto e me pagou uma dose de conhaque. Ficou tudo bem. Pegamos os skate, descemos a ladeira e fomos até o centro da cidade procurar algo pra comer, pois o irmão do Bodão ainda estava negociando sobre os carros.
Compramos algum salgado pra comer, um refrigerante e sentamos na praça de frente com a igreja. Estava tendo um casamento ali, já era umas 16h30 mais ou menos. Ficamos ali sentados um pouco, e depois descemos de novo para a pista, andamos pouco nesse momento, pois o irmão do Bodão já tinha trocado os carros. Ou seja, tínhamos chegado de Uno e iríamos embora de Gol. Bom, tínhamos andado de skate o dia inteiro, fumado muita erva, e estávamos dando risada toda hora do meu tombo de cabeça, aquele tombo marcou a viagem. Nossa intenção era voltar pro sítio, tomar um banho e depois sair beber pela cidade. Entramos no gol, ligamos o som do celular (o mesmo álbum) e fumamos mais um beck.
No final das contas, queríamos fazer uma fogueira, já era a intenção do Vitor há muito tempo, de qualquer forma, voltamos pra casa, jantamos, pegamos os skates, o vinho e voltamos pra cidade, porém só pra “tirar uma briza”, pois a ideia era fazer a fogueira a noite. Já na cidade, antes de estacionarmos o carro em algum lugar, o Bodão deu 1 volta na praça da matriz. Daí eu e o Vitor zuamos ele por causa dessa volta na praça, mas ele disse: "Ah, todo mundo faz isso aqui". Demos risada pra caralho. Depois de estacionar, sentamos em um dos bancos da praça, acendi um cigarro e começamos a tomar o vinho. Tinha realmente algum movimento ali, um pessoal bebendo, algumas garotas, tiozinhos bêbados passando toda hora, típico de uma praça à noite. Tinha um homem meio louco da cidade que volta e meia, passava perto de nós, ele dava voltas na praça gritando que tinham batido nele, deu um pouco de dó. Conversamos um pouco, mas não bebemos muito, voltamos antes das 21hrs pro sítio. É justo lembrar, que enquanto ficamos ali sentados, realmente Bodão estava certo, vimos vários jovens de carro dando volta na praça.
No caminho, voltando pela estrada onde a única luz é a da lua, resolvemos parar no caminho pra pegar galhos pra nossa fogueira. O Bodão nos disse que já tinha na casa dela mas não demos ouvidos, enquanto fumávamos mais um beck, parávamos e pegávamos galhos. Enchemos o porta mala. Chegando na casa, a mãe do Bodão já estava dormindo, então fomos preparando a fogueira, tomando vinho e olhando para o céu. Como era lindo aquele céu, estrelado até demais e com uma grande lua nos observando. Atrás da garagem do sítio, havia muitos galhos quebrados, ou seja, o Bodão realmente estava certo. Demos muita risada e o Bodão ficou bravo por não acreditarmos nele, mas não ligamos, o que valeu foi a diversão de procurar galhos no caminho. Eu dei muita risada quando vi aqueles galhos no sítio, enfim, tivemos que limpar o porta-malas à toa.
Fogueira acesa, sentamos em volta dela, Bodão já preparava mais um baseado pra nós, o vinho na mão, estávamos bebendo, e é num momento desses que falamos coisas da vida, sobre tudo, a vida é realmente uma surpresa. Pegamos o violão e começamos a tocar um pouco, Vitor me falou pra tocar algumas músicas clássicas e medievais. Dei um trago no baseado, bebi um gole do vinho e comecei a tocar enquanto eles bebiam e fumavam, como sempre comecei com Greensleeves, esse foi um momento de reflexão, aquela música erudita no violão, pareceu estar sendo tocada no momento certo, tenho certeza, não era só a maldita esquizofrenia da maconha. Depois do último baseado, e do último gole de vinho, fomos dormir, queríamos acordar cedo pra andar de skate o dia inteiro no dia seguinte. Não era nem meia noite ainda e o Bodão estava nos chamando pra dormir.
Acordamos no domingo, e não me lembro de termos tomado café, mas almoçamos bem cedo, mais ou menos umas 10hrs da manhã, pois íamos andar de skate o resto do dia e não daria tempo de comer, então almoçamos de manhã, sugestão da mãe do Bodão. Resolvemos que já íamos embora direto da cidade depois do rolê pois seria muita contramão voltar até o sítio. Colocamos as bolsas no carro, o último garrafão de vinho que sobrou da noite passada e com uma seda e um baseado na mão, partimos para a cidade. Chegamos no estacionamento da pista de skate e já começou a ventar muito forte, fomos andar na pista mas não andamos nem 20 minutos pois a chuva estava a poucos metros dali e a ventania estava tão forte que parecia que ia levar a pista embora. Bom, fomos correndo para o carro e o forte vendaval nos fez decidir que era melhor ir embora, mesmo estando cedo. Bodão nos levou de carro até a rodoviária de Pilar do Sul para facilitar nas nossas passagens. No caminho de carro, o vento parecia quase tombar o carro com nós dentro, tava realmente muito forte o vento, parecia o fim do mundo, ou era só brisa da maconha, enfim, a música também estava rolando, e como disse Chico: “Faça chuva ou sol, amo meu domingo”.
Se despedimos do Bodão na rodoviária. E dentro do ônibus de volta à Votorantim, abrimos o último garrafão de vinho e assim viemos bebendo no caminho. De repente, percebi que estava sem meu celular, na verdade, o Vitor que estava com ele na mão, tinha esquecido o aparelho no carro do Bodão, rimos. De qualquer forma, não me importei com o aparelho, pois a viagem estava tudo legal, e confirmo dizendo, o que Chico já disse: “Segunda é um dia lindo”. E aquele garrafão de vinho, está até hoje na minha prateleira.
Escrito em 2013 e revisado em 2023.
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Ambas as fotografias são do autor, São Miguel Arcanjo, 2013.
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